Identidade (des)conhecida.

2.02.2006

Acerca da Lei da Nacionalidade.

Nas minhas pesquisas encontrei este artigo sobre a Lei da Nacionalidade. Aconselho a leitura pela mensagem que transmite e não, por ser do partido político "A", "B", ou "C".

"Intervenção de Ana Drago na A. R.
(13 de Setembro de 2005)

Há uma relativa estranheza no debate que temos hoje. É um debate que muitos ao longo dos últimos anos, têm apontado como urgente, mas que tardou em chegar. É um debate sobre situações de gritante injustiça de que todos hoje temos consciência, mas que tanto tempo demorou a ser assumido pelas principais forças políticas. É um debate que nos parece até chegar até nós atrasado seja no tempo, seja nas próprias formulações que alguns partidos escolheram para as suas propostas.

O que sabemos é a actual lei que regula a atribuição de nacionalidade portuguesa é uma amálgama de obstáculos e requisitos burocráticos que criaram no país situações de gritante injustiça.
Portugal é, desde a década de 80, um país de imigração. Aqui vivem, aqui trabalham e aqui constituíram família inúmeras comunidades imigrantes. E, contudo, a natureza multicultural e multiracial da população que habita, que faz o país, parece sempre ter sempre dificuldade em ser reconhecida nas instituições políticas nacionais. Como se o país político se recusasse a olhar de frente as novas realidades sócio-culturais que fazem hoje o quotidiano da sociedade portuguesa.

Temos hoje, pessoas que vivem em Portugal em situações que, a um primeiro olhar, podem parecer bizarras. A bizarria é um engano: são, de facto, situações de profunda injustiça. Frutos de uma lei da nacionalidade que mais não faz do que criar obstáculos à integração e aquisição de direitos aos que chegaram ao nosso país nas últimas décadas para construir as suas vidas.
Temos hoje, gerações de crianças e jovens nascidos em Portugal, que cresceram no nosso país, que nunca conheceram outra terra, nem outra nação, e que não são portugueses, apenas e só, porque a lei e os seus obstáculos não o permitem. Jovens que não têm qualquer pretensão ou expectativa de um suposto retorno ao país dos seus pais, que nunca conheceram e ao em relação ao qual não têm qualquer sentimento de pertença.
E que, estranhamente, mantêm nos documentos que oficialmente os identificam perante as autoridades, mantêm na relação oficial com o Estado e as instituições portuguesas, o estatuto bizarro de estrangeiro.
Estrangeiros na terra onde nasceram e cresceram.

As nações não são a essência da agregação das comunidades humanas. São antes uma construção histórica, marcadamente moderna, assente na ideia central da igualdade do estatuto de pertença à comunidade política. São por isso, uma construção política que se faz a cada dia, ou, idealmente, como dizia Renan: o compromisso de pertença e de partilha de valores que se renova a cada dia.

É por isso que a criação e manutenção de critérios bizantinos, de obstáculos artificiais, mais não faz do que produzir e reforçar lógicas de exclusão inaceitáveis num regime democrático.

A situação que temos hoje em Portugal, desde 1981 é a nada menos que a produção activa da exclusão das comunidades imigrantes mais recentes.
A lei actual mais não faz que criar mecanismos de discriminação activa em função da etnicidade e de supostas origens ancestrais. A lei actual produz activamente e reforça concepções essencialistas, racistas, de pertença à comunidade política. É uma lei injusta, discriminante, essencialista, errada. Pagamos hoje parte do erro dessa concepção. Temos, por isso, o dever e o sentido de urgência de a alterar.

O Bloco de Esquerda tem vindo a propor e a defender a recuperação do princípio republicano de construção da nação – recuperar e consagrar o princípio do direito de solo.

Na nossa proposta, tomamos como base da atribuição da nacionalidade o princípio central, simples, justo, sensato, lógico até: quem nasce em Portugal é português.
Porque a cidadania nacional é atributo do indivíduo, e não herança dos progenitores. Porque só a atribuição de direitos iguais, só o estatuto igualitário da cidadania é democraticamente legítimo. Porque só a igualdade de estatuto e de direitos permite criar sociedades politicamente integradas.

Em segundo lugar, recuperamos a vivência na sociedade nacional como critério de aquisição da nacionalidade por via da naturalização.
Não faz sentido qualquer outro o critério.

Nesse sentido, defendemos a eliminação de formulações ambíguas, que sempre dão lugar á discricionariedade e arbitrariedade, como a chamada “ligação efectiva á comunidade nacional”. Porque muitas vezes vimos esse critério ser positivamente valorado para jogadores de futebol, e, simultaneamente, ser usado para recusar a nacionalidade a imigrantes, menos mediáticos, que aqui residem e trabalham há mais anos.
Por isso recusamos a discriminação entre países de origem, dando prioridade aos países de língua oficial portuguesa, em detrimento de outras nacionalidades originárias.

Os valores da pertença são claros: quem vive de forma permanente em Portugal, quem trabalha, quem constrói família, quem contribui para a criação da riqueza nacional e quer ser membro da comunidade política, deve poder ser português. Porque quem fala a língua portuguesa, quem partilha os resultados das escolhas políticas do país e quer ser membro da comunidade política, deve poder ser português. A vivência integrada na sociedade e a vontade de pertencer à comunidade devem ser os critérios da construção moderna e democrática da pertença nacional.


O debate que temos hoje coloca-nos perante injustiças de décadas, discriminações e exclusões que minam o sentido democrático da comunidade política que somos.
As escolhas que temos a fazer são claras. Construir uma sociedade democrática exige-nos alterar a lei da nacionalidade no sentido de responder ao que é hoje a situação real do país: um país que se orgulha da pluralidade das origens étnicas da população que aqui habita.
Um país que reconhece e sabe o valor da riqueza da sua diversidade cultural.
Um país que não nega direitos iguais aos que vivem e contribuem para construir o que é hoje a sociedade portuguesa.
Só assim Portugal será, e renovará todos os dias o seu compromisso de ser uma nação democrática."

3 Comments:

  • Realmente tens razão; devemos ler o post, independentemente de quem está a escrever pertencer ao partido A, B ou C. Mas é de dar relevo a que, mais uma vez, o Bloco de Esquerda alude a um tema relacionado com a tua situação. Cada vez me convenço mais que a Esquerda é solução, que poucos usam tocar certos assuntos como o faz o BE.

    Quanto ao post anterior, apenas te mostrei o que o Bloco me respondeu, não sei se é a escolha mais acertada mas foi a que obtive. Como disseste, não custa tentar. Beijo grande

    By Anonymous Anónimo, at quinta-feira, 02 fevereiro, 2006  

  • Infelizmente eu não posso votar porque...NÃO TENHO CARTÃO DE ELEITOR SEM TER BILHETE DE IDENTIDADE mas, gostava muito de o poder fazer, de poder participar para mudar o que está mal no nosso país. Eu tenho o direito e o dever de votar, e embora ultimamente não tenha ligado muito à política, por várias razões, esta da falta do BI, é uma delas.
    Mas realmente é de salientar que, de todas as pesquisas que fiz, até à data de hoje, sobre a "Lei da Nacionalidade", foi no site do BE que encontrei este artigo no qual senti que alguém está a lutar para que, situações como a minha, acabem e nem cheguem a existir.
    Quanto ao mail que recebeste: Um sincero obrigada pela tua ajuda e vou aproveita-la pois já é um começo! Sabes, já ando tão baralhada e perdida neste labirinto burocrático que, às vezes, tenho medo de não saber ver as oportunidades mais simples que me possam surgir pela frente.
    Obrigada Daniel,
    Bjs.

    By Blogger Sylvie, at quinta-feira, 02 fevereiro, 2006  

  • Sylvie,
    Acabei de contactar o Jornal Expresso (um dos meus professores é o director da Secção do Porto) e o Jornal Público (onde tenho amigos). Resta esperar e ver se conseguem arranjar maneira de expôr o teu caso. Beijo

    By Anonymous Anónimo, at sexta-feira, 03 fevereiro, 2006  

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